sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Crônica de um Garçom humilhado.




Armando Pinto era Garçom e não gostava de seu emprego. As horas trabalhadas eram quentes, tumultuadas e exaustivas. Sua grande paixão era a Dança, mas sofria com o preconceito da Família. Para manter as aparências, trabalhava durante o dia como Garçom em um Restaurante frequentado pela Alta Burguesia Paulistana e depois do expediente ensaiava passos de balé em seu humilde barraco.

Sensível, se emocionava ao executar a "Dança da Fada Açucarada", sua parte favorita de "O Quebra Nozes" de Tchaikovsky. Não se importava com o fato de que era uma dança para ser executada por uma mulher, pois apesar do corpo forte e masculino, sua mente era de mulher.

A Dança era a válvula de escape de suas frustrações profissionais e ele conseguia sobreviver, mas o destino quis que aquela fatídica data marcasse o início do fim.

Era um dia qualquer de meados de Novembro, mas a Primavera não cedia espaço para o iminente Verão. O céu era cinza, com vento frio e uma fina garoa que lhe perturbava. Eram 5 horas da manhã em Ermelino Matarazzo e ele esfregava as mãos para espantar o frio em um ponto de ônibus deserto. Pegou três conduções e enfim sentiu o calor humano, abafado e espremido em um ônibus superlotado.

Ganhava mal e ainda ouvia agressões gratuitas e severas de almofadinhas da Elite Paulistana. Apenas abaixava a cabeça, afirmando sua inferioridade. Neste dia de meados de Novembro, um cliente externou sua insatisfação em palavras duras demais para o pobre Armando Pinto.

Joãozinho Scarpa: "DESCE A CARA AQUI, SEU PARDO! ESSA MERDA QUE VOCÊ CHAMA DE MOLHO ALFREDO EU USO PRA DAR PRO MEU CACHORRO COMER"

Armando Pinto: "Mas senhor, é o molho da casa..." 

Joãozinho Scarpa: "SÓ SE FOR DA CASA DO CARALHO. OU MELHOR, DEVE SER DO BARRACO ONDE VOCÊ MORA. DESCE A CARA AQUI QUE VOCÊ VAI TER O QUE MERECE"

O que sucedeu? Silêncio. Dor. Constrangimento. A cada tapa, uma lágrima corria do olho de uma senhora que assistia perplexa ao espetáculo de horror. Ao se levantar, Joãozinho urinou. Demarcou seu território baseado em medo e raiva.

A humilhação foi demais para o frágil Armando. Era hora de colocar um fim em tudo isso. Aproximou-se do parapeito, a vista do 41º andar era sublime. Um mar de prédios e ao fundo a imponência da Serra da Cantareira. Virou-se e deu as costas para a rua. Antes de se jogar, sua última visão: Joãozinho Scarpa palitava seus dentes, entretido com sua vingança pelo péssimo Molho Alfredo que haviam lhe servido.

Armando se jogou em direção ao vazio. A vida toda passou por sua mente em poucos segundos até colidir com o asfalto da rua.

Era o fim.










Joãozinho Scarpa

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